Conheça como o instrumento de holding patrimonial pode trazer mais segurança aos seus negócios, centralizar a administração societária e facilitar eventual sucessão aos seus herdeiros.

Holding Patrimonial como Ferramenta de Segurança e Planejamento Sucessório

Autora: Alícia Braga (FSConsulting)

1 INTRODUÇÃO

A morte, de maneira simples e direta, é o fim de um ciclo natural do indivíduo, definida, do ponto de vista biológico, como o estado irreversível de cessação das funções vitais de um organismo. É um evento futuro e certo, inevitável e, talvez, a única certeza que se tem da vida: ela chegará ao fim.

No Brasil, uma nação plural e um país culturalmente diverso, há diferentes perspectivas sobre a morte, variando conforme as crenças religiosas, valores culturais e tradições regionais. Enquanto para uns, como os católicos e religiosos cristãos, a morte representa a passagem para a vida após a morte, cercada de rituais e cerimônias religiosas, para outros a morte é vista como parte de um ciclo natural da vida, como nas tradições indígenas e afro-brasileiras.

Para o Direito, a pessoa natural adquire personalidade civil com o nascimento e, com ela, está apta a adquirir direitos e contrair obrigações. Por óbvio, o fim da personalidade se dá com a morte da pessoa, momento em que deixa de existir, seja pela morte real, a qual pressupõe a existência de um corpo, seja pela morte presumida, quando não há um corpo, mas presume-se quando extremamente provável sua ocorrência frente ao perigo de vida e/ou quando alguém desaparecido não é encontrado até 2 (dois) anos.

No entanto, é possível perceber que a morte, de uma maneira geral, é encarada como uma temática desagradável e evitável, momento em que se prefere encará-la como um evento remoto e imprevisível. Por óbvio, dá-se mais atenção ao fator emocional da morte, o qual, claro, não deve ser descartado, mas deixa-se de lado os fatores patrimoniais e sucessórios.

Contudo, ao longo dos últimos anos é possível perceber uma mudança significativa na maneira de se tratar o falecimento de um indivíduo. As pessoas passaram a se preocupar mais com os bens e direitos herdados, ou que herdariam, o que vem gerando espaço para discussão acerca do planejamento patrimonial e sucessório.

Não é novidade que a transmissão de bens costuma ser cercada de controvérsias e impasses por diversos motivos, caracterizada principalmente pelos interesses conflitantes e desacordos financeiros entre os herdeiros. Neste cenário, a holding patrimonial familiar ganha notoriedade quando se fala em planejamento sucessório, tendo em vista seus inúmeros benefícios, tanto econômicos quanto emocionais.

A constituição de uma sociedade holding, realizada mediante um adequado planejamento patrimonial, é um instrumento capaz de alterar a perspectiva de vida de múltiplas gerações familiares. Quando administrada de forma eficiente, pode evitar eventuais conflitos judiciais e a morosidade de um processo de inventário, além de preparar seus sucessores e reduzir a carga tributária por meio da elisão fiscal.

Portanto, o planejamento realizado em momento anterior ao falecimento de um indivíduo provê, além de inúmeras vantagens, segurança jurídica e patrimonial, tanto ao proprietário dos bens, quanto aos seus herdeiros.

Para isso, a metodologia utilizada teve por base uma pesquisa documental e bibliográfica, realizada a partir do levantamento de referências teóricas. Por fim, utiliza-se do método dedutivo como forma de abordagem do tema, demonstrando de forma descritiva e analítica os resultados obtidos.

Assim, a escolha do tema justifica-se por sua atualidade e relevância pragmática, haja vista a importância de uma análise aprofundada sobre a constituição de uma holding patrimonial familiar como ferramenta de proteção de patrimônio e planejamento sucessório, a fim de contribuir para um cenário mais seguro e estável para as famílias.

Assim sendo, o artigo desenvolve-se a partir da necessidade de aprofundar o conhecimento acerca do planejamento patrimonial e sucessório, tendo por objetivo demonstrar a aplicabilidade da constituição de uma sociedade holding para elaboração deste planejamento, bem como sua capacidade de inibir disputas entre herdeiros, diminuir a carga tributária e o risco da perda de controle sobre os bens e direitos da família.

2 A CONSTITUIÇÃO DA HOLDING

A expressão Holding é originária do verbo em inglês to hold, o qual tem por significado controlar, manter ou guardar. Tal ideia tem aplicação direta no âmbito do direito societário, que denomina holdings como sociedades que, de acordo com suas razões e funções, atuam como titulares de bens e direitos.

A holding teve seu marco inicial em 1780, quando, nos Estados Unidos, o Estado da Pensilvânia concedeu permissão para 40 (quarenta) sociedades adquirirem participações no capital de outras sociedades. Contudo, somente em 1888 foi promulgada, no Estado de Nova Jersey, a primeira lei que permitia a aquisição de ações de companhias por outras sociedades.

Tardiamente, a constituição de sociedades holding no Brasil foi possível a partir de 1976, com a promulgação da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações). Em seu artigo 2º, §3º, além da previsão legal da holding, estabelece-se que a companhia pode ter por objeto a participação em outras sociedades e, mesmo que não esteja prevista no estatuto social, esta participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou mesmo para beneficiar-se de incentivos fiscais.

Diversos são os benefícios atribuídos à constituição de uma holding, sendo que, para alcançar os resultados e objetivos sociais almejados, faz-se necessário a escolha da modalidade correta de holding, dentre as quais pode-se mencionar como principais a holding pura, mista, familiar e patrimonial.

De maneira resumida, a holding pura refere-se às sociedades que não desenvolvem qualquer atividade econômica, tendo por objeto social a participação no capital de outras sociedades e seus principais objetivos são a aquisição, titularidade, alienação e controle de participações societárias. Já a holding mista, em conjunto com a participação no capital de outras sociedades, dedica-se às atividades empresariais, ou seja, à produção e/ou circulação de bens e prestação de serviços.

No tocante à holding patrimonial, trata-se de sociedade constituída com a finalidade de tornar-se proprietária e administradora de determinado patrimônio, seja de uma pessoa física, um grupo de pessoas ou mesmo de uma família, o qual pode ser composto tanto por bens móveis quanto imóveis. No mais, motivado pelo interesse na sucessão patrimonial, essa modalidade tem por objetivo a proteção do patrimônio, empregando um conjunto de ações preventivas que visam resguardá-lo de contingências externas, evitar discussões em relação aos bens e auxiliar em um planejamento tributário.

Por fim, pelo entendimento da doutrina atual, a holding familiar “não é um tipo específico, mas uma textualização específica” (Araújo, Rocha Junior, 2020). Ou seja, independente da modalidade de holding escolhida, a característica principal dela é servir ao planejamento desenvolvido pelo grupo familiar, considerando suas peculiaridades quanto a organização do patrimônio, administração dos bens e sucessão hereditária.

Segundo Silva e Figueiredo Junior (2022, p. 111):

[…] uma holding familiar caracteriza-se pela proteção do patrimônio familiar, bem como pelo sucesso da empresa que, em última instância, pertence à família. Sabe-se que a herança hereditária, seja na família ou empresarial, geralmente representando uma questão espinhosa dentro do núcleo familiar.

Outro conceito interessante é apresentado por Rocha (2013, p. 247-248), explicando que:

[…] é considerada holding a sociedade que possui como uma das suas atividades constantes no objeto social participar de outras sociedades como sócia ou acionista, em vez de exercer exclusivamente uma atividade industrial ou comercial. Por meio desta participação, acaba por controlar a outra sociedade de acordo com a proporção de sua participação no capital social”.

Portanto, compreende-se que a holding não estabelece um tipo particular e/ou específico de forma societária, mas relaciona a atividade a ser desenvolvida pela sociedade com o objetivo pelo qual foi constituída. Além disto, a holding também não constitui um tipo societário autônomo como aqueles definidos pelo artigo 44 do Código Civil Brasileiro, uma vez que sua diferença em relação às demais sociedades encontra-se no objeto social especificado no Estatuto ou Contrato Social.

Neste sentido, a escolha do tipo societário da holding deve considerar as características empregadas à sua estrutura societária. Dispõe o artigo 982 do Código Civil Brasileiro que as sociedades são divididas em (i) sociedades simples, as quais se constituem para o exercício de atividade econômica que não possua cunho empresarial, ideal para pequenas empresas e (ii) sociedades empresárias, caracterizada pelo desenvolvimento de atividade econômica organizada para a produção e/ou circulação de bens ou serviços com o objetivo de obter lucro.

Ainda, as sociedades empresárias devem se constituir segundo um dos tipos regulados pelo próprio Código Civil, optando entre (i) Sociedade Limitada, (ii) Sociedade Anônima, (iii) Sociedade em Nome Coletivo, (iv) Sociedade em Comandita Simples ou (v) Sociedade em Comandita por Ações. Enquanto isto, as sociedades simples podem se constituir em conformidade com um desses tipos ou subordinar-se às próprias normas.

No que tange a administração da holding, tendo em vista a flexibilidade na definição da representação da sociedade, bem como das atribuições e dos poderes dos sócios e administradores, esta seguirá o determinado em seu estatuto ou contrato social. Contudo, é de suma importância que estas definições se deem de forma clara em seu ato constitutivo, a fim de que haja segurança jurídica em relação a seus atos e a conservação dos interesses da sociedade.

Portanto, ao considerar as possibilidades de constituição da holding, as escolhas quanto à sua modalidade e tipo societário devem ponderar as singularidades de seus objetivos, estrutura administrativa e sua carga tributária, bem como a forma de remuneração de seus sócios ou acionistas, a fim de que construir uma sociedade efetivamente benéfica.

3 O DIREITO SUCESSÓRIO E O PLANEJAMENTO PATRIMONIAL

O Direito Sucessório é o ramo do Direito Civil que regula a transmissão de bens e direitos de uma pessoa após a sua morte, estabelecendo quem serão os herdeiros do falecido e a forma como será feita a partilha dos bens por ele deixados.

Dentre as formas de sucessão previstas no Código Civil Brasileiro, encontra-se a sucessão legítima e a testamentária. No tocante à sucessão legitima, esta ocorre quando o falecido não determinou a sua vontade sobre a partilha de bens e o Código Civil reconhece como herdeiros legítimos somente os descendentes, ascendentes, cônjuge sobrevivente e pessoas com parentesco até 4º grau. Quanto à sucessão testamentária, sucederá em decorrência de um testamento deixado pelo falecido, sendo a partilha de bens baseada neste documento que reflete sua última vontade.

Segundo o artigo 1.784 do Código Civil, o evento morte enseja a abertura da sucessão, transmitindo-se automaticamente as relações patrimoniais deixadas pelo autor da herança a seus herdeiros.

De acordo com Oliveira e Amorim (2018, p. 46), “com a morte da pessoa dá-se a abertura da sucessão. A partir desse momento, transmitem-se o domínio e a posse dos bens deixados pelo falecido, ou seja, a herança passa como um todo, e desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, na forma estatuída pelo artigo 1.784 do Código Civil”.

Esta transmissão automática de que dispõe a lei não ocorre de forma individualizada, uma vez que os herdeiros detêm uma fração ideal do patrimônio deixado e não os bens individualizados. Portando, a divisão e transmissão destes bens ocorrerá no momento da partilha, dentro do processo de inventário, que deverá iniciar-se em até 60 (sessenta) dias da morte do indivíduo e, caso não cumprido o prazo, é cobrada multa de 10% calculada sobre o valor do imposto devido, acrescida de 10% a cada 12 meses de atraso, limitando-se a 40%.

O processo de inventário consiste no levantamento do patrimônio, dívidas e bens deixados pelo falecido, podendo ocorrer de forma judicial, perante o Poder Judiciário, ou extrajudicial, diretamente no Cartório. Dentre outros custos, como honorários advocatícios e dispêndios com certidões, após o levantamento dos bens e documentos e para encerrar o processo, deve ser realizado o pagamento do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), um imposto estadual que a alíquota pode chegar a 8% (oito por cento) de acordo com o Estado.

Destaca-se, no entanto, que as formas de sucessão apresentadas não são tão organizadas, céleres e econômicas como se imagina, podendo, ainda, serem passíveis de discussão frente às possíveis desavenças quanto à partilha dos bens, ou mesmo discutidas judicialmente em razão de algum descumprimento de determinação legal, o que poderia ser evitado, ainda em vida, se o falecido e seus herdeiros tivessem investido em um planejamento patrimonial e sucessório.

Contudo, no Brasil, preocupar-se com o planejamento patrimonial e sucessório não é entendido como uma prioridade. Esta situação pode ser atribuída ao fato da sociedade, culturalmente, considerar qualquer assunto relacionado à morte um tema desagradável a ser evitado e, ao invés de encará-lo como o evento futuro e certo que é, prefere considerá-lo como algo distante e imprevisível.

Apesar de ser retratado como um país culturalmente diverso, o Brasil possui grande influência das religiões cristãs, as quais enfrentam a morte como um momento triste, cercado de rituais e cerimônias para despedida do falecido. Com isso, volta-se a atenção ao fator emocional do evento na vida dos envolvidos, deixando de lado os fatores patrimoniais e sucessórios, também inerentes ao ocorrido.

Desta forma, importante que se dê maior atenção ao planejamento patrimonial e sucessório pois, quando desenvolvido e implementado da maneira adequada, proporciona um grande retorno positivo tanto do ponto de vista econômico, uma vez que é possível a diminuição da carga tributária e economia com dispêndios de abertura de inventário e eventuais provocações ao poder judiciário, quanto do ponto de vista emocional.

O fator emocional envolvido em um planejamento sucessório é uma das questões mais delicadas a se enfrentar no decorrer do processo, uma vez que o objetivo do sujeito com o planejamento vai além de uma “simples” organização patrimonial para utilização em vida, tratando-se de planejar e organizar o patrimônio conquistado para sucessão aos herdeiros, ou mesmo a terceiros, na ocasião de seu falecimento, o que afeta diretamente a vida de todos os envolvidos.

Neste momento, surgem os mais diversos empecilhos, comumente demonstrados pelos herdeiros que possuem personalidades, características e interesses conflitante. Contudo, ao final, tendo em vista as singularidades de cada família, seu poderio econômico e fragilidade emocional frente ao luto do falecimento de um membro, o planejamento patrimonial e sucessório reflete-se como uma ferramenta adequada para garantir que o processo de sucessão, seja realizado de forma simples, rápida e evitando conflitos.

Ao utilizar-se do planejamento patrimonial e sucessório, com a intenção de proteger os bens e negócios pertencentes ao grupo familiar e garantir que nele permaneçam, é possível que o proprietário destes bens crie uma sociedade holding, por meio da qual integralizará em seu capital social os bens que detém, sejam móveis ou imóveis. Com isso, o patrimônio passa a pertencer à sociedade e o indivíduo deixa de ser proprietário direto deles, passando a ser detentor de quotas do capital social.

Para que a sucessão ocorra por meio da holding, além da transmissão de quotas da sociedade após a morte, uma das formas de transmissão mais utilizada é a doação com cláusula de reserva de usufruto vitalício. Após integralizar os bens ao capital social da holding, o proprietário distribui aos seus herdeiros quotas da sociedade por um contrato de doação com cláusula de reserva de usufruto vitalício, a qual realiza apenas a transferência formal da propriedade, garantindo ao doador o direito de administrar a empresa livremente, bem como receber os rendimentos provenientes dos bens enquanto viver.

Se tratando de uma holding patrimonial familiar, considerando que não exerça atividade preponderantemente imobiliária, os custos para sua constituição e transmissão de seus bens são consideravelmente menores comparados aos custos com inventário e partilha realizados por pessoas físicas.

Neste sentido, dentre outros benefícios, a holding goza da imunidade tributária prevista no art. 156, §2º, inciso I da Constituição Federal de 1988, a qual retira a incidência de ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) na integralização de imóveis ao patrimônio da sociedade. Ainda, o bem será transferido considerando o seu valor de aquisição, declarado pelo proprietário na Declaração de Imposto de Renda, ao invés do valor de mercado, conforme disposição do artigo 142 do Decreto nº 9.580/2018, representando um valor consideravelmente inferior.

Portanto, a constituição de uma sociedade holding apresenta-se como medida eficaz para solucionar questões relativas à sucessão, em virtude da sua capacidade de substituir dispositivos testamentários pela indicação específica dos sucessores da sociedade em seu próprio estatuto ou contrato social. Ademais, tem o poder de, até mesmo, eliminar a obrigação de instauração do processo de inventário, considerando a viabilidade de se realizar doação em vida das quotas sociais, evitando, assim, a alta carga tributária, bem como a ocorrência de conflitos judiciais e disputas sucessórias.

4 A HOLDING PATRIMONIAL FAMILIAR E SEUS BENEFÍCIOS

Conforme já exposto, a holding não se trata de uma sociedade com um tipo particular e específico de forma societária, ou mesmo constitui um tipo societário autônomo. Trata-se de uma sociedade que, conforme suas razões e funções, atuam como titulares de bens e direitos, especificando seu objeto no estatuto ou contrato social que a constitui.

Neste sentido, com o objetivo de constituir uma sociedade capaz de administrar e proteger o patrimônio de uma família e seus interesses sucessórios, é possível juntar duas modalidades de holding, quais sejam a patrimonial e a familiar.

A holding patrimonial tem a finalidade específica de atuar como proprietária e administradora de determinado conjunto patrimonial, seja de um indivíduo ou de um grupo de pessoas, compreendendo bens de natureza móvel quanto imóvel. Sua motivação primordial está no interesse da sucessão patrimonial, tendo por objetivo fundamental a segurança do patrimônio diante de potenciais conflitos entre herdeiros em relação aos bens, litígios judiciais e a elevada carga tributária.

Ponto importante de se destacar envolve a sua realidade e proporção prática das empresas familiares, afinal de sociedades empresarias que adotam tal formato é elevado. Segundo Manganelli (2016, p. 105):

Dando a devida importância deste tipo de sociedade, dados demons-tram que, mundialmente, 60% das empresas são familiares. No Brasil, este número pode chegar a incrível marca de 90%7, razão pela qual o estudo de alternativas que possam auxiliar em seu processo sucessório não pode ser deixado de lado.

Enquanto isso, a holding familiar trata-se mais de uma contextualização do que uma modalidade em si, tendo em vista que sua característica principal é atender ao planejamento desenvolvido pela família, observando suas peculiaridades e objetivos.

Nesse sentido, importante destacar que Empresas familiares são aquelas fundadas com a atividade laboral de toda uma família. Na maioria das vezes, seu fundador exerce o cargo de administração, já que labutou durante toda sua vida para a constituição da sociedade. Com o passar dos anos, o nascimento de filhos, a participação de outras pessoas da família como sócios, o crescimento da empresa e o envelhecimento de seu sócio fundador, as relações vão se tornando mais complexas, até chegar ao ponto de se ter que realizar a transferência dessa administração, bem como de seu capital, para outras pessoas (Manganelli, 2006, 105-106).

O ponto relevante para a presente pesquisa envolve compreender os reflexos da sucessão empresarial; afinal, na modalidade de empresa familiar além de sócios, quando da morte do administrador, existem herdeiros, o espólio e a legítima.

Na esfera empresarial, com a morte do administrador deve ocorrer a transferência do comando empresarial de forma breve, seguindo o contrato/estatuto social.

Na transferência da administração e cargos de gestão de uma empresa familiar existem riscos de conflitos, em face da mistura (na mesma pessoa) do papel de sócio e herdeiro, tornando relevante e prudente entender a holding familiar como um caminho que poderá amenizar tais conflitos.

Sobre os riscos e vulnerabilidade na sucessão empresarial de um modelo familiar, Manganelli (2016, p. 105) enfatiza que:

Decisões poderão ser postas em prática, levando-se em conta histórias antigas ou sentimentos de posse com a empresa. Assim, deixa-se de lado a aptidão e competência para se determinar o ad-ministrador. Ao invés disso, instaura-se uma disputa de egos e concepções que não ajudarão em nada a conservar o patrimônio social, bem como a desenvolver a sociedade.

Portanto, a constituição de uma holding patrimonial familiar se dá pela união das características de ambas sociedades, caracterizando-se pelo planejamento patrimonial e sucessório com o objetivo de prover segurança ao patrimônio e organizá-lo para sua sucessão, evitando, assim, conflitos entre os herdeiros e uma alta carga tributária.

Dentre os mais diversos benefícios da constituição da holding patrimonial familiar estão a facilitação da administração do patrimônio e a sua proteção. Com a transmissão dos bens da pessoa física à sociedade, torna-a proprietária dos mesmos e centraliza sua administração e manutenção no âmbito societário, passando a reger-se pelas disposições previstas no contrato ou estatuto social da holding, o que oferece maior segurança jurídica de todos os atos da administração. Ainda, considerando a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, uma vez que é uma entidade legalmente distinta de seus sócios, os bens e recursos da holding permanecem protegidos e resguardados em situações de dificuldades financeiras ou questões patrimoniais envolvendo os sócios ou acionistas da sociedade.

Contudo, é necessário se ter um olhar cauteloso quanto à transferência integral de um patrimônio à sociedade, tendo em vista que, na possibilidade de eventuais credores restarem frustrados frente a inexistência de patrimônio disponível por parte do sócio devedor, é possível configurar a transferência como confusão patrimonial e abuso de direito, nos termos do artigo 187 do Código Civil: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Neste cenário, é plausível que uma decisão judicial determine a desconsideração inversa da personalidade jurídica, a fim de alcançar os bens do sócio que foram incorporados na sociedade, conforme dispõe o artigo 50 do Código Civil:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Considerando este ponto de atenção, nota-se que a proteção do patrimônio proporcionada pela holding é considerada relativa e não absoluta, uma vez que não blinda os bens de serem alcançados para responder por eventuais obrigações. No entanto, há que se ter em mente que a sociedade não é um instrumento para ocultação de patrimônio, mas sim para sua organização, a fim de, dentre outros objetivos da família, facilitar a administração dos bens e proporcionar uma redução da carga tributária mediante a elisão fiscal.

A elisão fiscal é uma prática legal de planejamento tributário adotado pelos contribuintes com o objetivo de reduzir a carga tributária de suas atividades e operações, dentro dos limites estabelecidos pela legislação. Desta forma, aproveita-se de incentivos fiscais, deduções e regimes especiais, ou mesmo através de uma análise especializada de todo o contexto societário, possibilitando a escolha mais vantajosa de estruturar a sociedade do ponto de vista fiscal, a fim de atingir os objetivos da sociedade com a máxima economia.

No Brasil, inexiste na legislação qualquer impedimento ao planejamento tributário para fins de redução de custos e economia de tributos, mas é importante não confundir os atos de transmissão de patrimônio à holding com evasão fiscal que, diferentemente da elisão, é uma conduta ilegal caracterizada pela sonegação de impostos.

Como fica claro pelo entendimento da doutrina atual, a elaboração de um planejamento tributário que se efetiva com a constituição de uma holding patrimonial familiar se trata de elisão fiscal, tendo em vista que este instrumento “permite a redução legal da carga tributária […] sem que isso represente qualquer risco fiscal, uma vez que o planejamento se restringe às hipóteses previstas e autorizadas pela legislação em vigência” (ROSSI e SILVA, 2017).

Um dos fatores essenciais para fins de elisão fiscal é a escolha do regime tributário a que se submeterá a holding, tendo em vista que as diferenças percentuais de incidência tributária são significativas de um regime para o outro, o que influencia diretamente na economia fiscal da sociedade.

Desta forma, existem 3 (três) regimes tributários para fins de apuração de renda de uma sociedade, quais sejam (i) lucro real, (ii) lucro presumido e (iii) lucro arbitrado. Tratando-se de uma holding patrimonial familiar, o regime mais recomendável e adequado, o qual apresenta maior quantidade de benefícios tributário, é o lucro presumido.

Neste regime, a tributação dos rendimentos da sociedade, por meio do ganho de capital com a alienação de imóveis, por exemplo, é composta pela incidência trimestral do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), sob a alíquota de 15% e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), sob alíquota de 9%, ambos apurados mediante a base de cálculo de 32% sobre a receita presumida da sociedade, tendo em vista que a atividade exercida pela holding patrimonial se enquadra em “administração de bens móveis ou imóveis, locação ou cessão desses mesmos bens”. Ainda, sujeita-se mensalmente à incidência das contribuições sociais ao PIS e à Cofins, com alíquotas de 0,65% e 3%, respectivamente, incidentes sobre a totalidade do faturamento.

Estes valores representam para a sociedade, ao final, uma tributação efetiva de 11,33% (0,65% de PIS, 3% de Cofins, 4,80% de IRPJ e 2,88% de CSLL) sobre o valor dos rendimentos, o que expressa significativa redução frente à tributação que uma pessoa física enfrentaria, podendo variar entre alíquotas de 15% a 22,5%.

Além disso, a holding patrimonial familiar, uma vez que não possui a atividade imobiliária como preponderante, goza de imunidade tributária quando se trata de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), conforme preceitos do artigo 156, §2º, I da Constituição Federal:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

Portanto, os bens imóveis serão transferidos da pessoa física de seu(s) sócio(s) para o capital social da holding sem a tributação do ITBI. Ainda, ao observar o artigo 142 do Decreto nº 9.580/2018, o qual dispõe que a transmissão considerará o valor de aquisição do bem ao invés do valor de mercado, percebe-se significativa redução da base de cálculo, já que, em regra, o valor declarado é menor que o valor de mercado.

Outra vantagem importante da holding patrimonial familiar é a redução da tributação no momento da sucessão. Observa-se que o inventário tem um alto custo, o qual varia de acordo com o valor total dos bens transmitidos e do tipo de inventário escolhido, podendo chegar à uma alíquota de 17% sobre o valor total do patrimônio ao se considerar cerca de 2% com despesas de cartório, como certidões, registros, avaliações e documentos, e de 2% a 15% à título de honorários advocatícios.

Contudo, a sucessão patrimonial pode ser realizada por meio da holding patrimonial familiar, não tendo necessidade de levantar os bens em inventário, eliminando todos os gastos com emolumentos, taxas e honorários. Pode se dar de duas formas, em que, na primeira, o instituidor da holding insere os herdeiros no contrato ou estatuto social como sócios da empresa, detendo, cada um, uma porcentagem do capital social e, com a morte do instituidor, os herdeiros já são proprietários da holding e de seus bens e direitos.

A segunda, e mais utilizada, forma de sucessão patrimonial realizada pela holding é a doação das quotas do capital social com cláusula de reserva de usufruto vitalício. Após a constituição da sociedade, o instituidor, em vida, faz um contrato de doação das quotas sociais da holding para seus herdeiros, na proporção que considerar mais adequada, incluindo uma cláusula de reserva de usufruto vitalício, mantendo-se na posse dos bens e na administração da sociedade até o momento de sua morte. Somente então os herdeiros se tornarão efetivos proprietários das quotas sociais.

Este contrato de doação deverá ser formal e instrumentalizado por escrito, obedecendo aos regramentos do Código Civil Brasileiro. Além disso, deve-se atentar às disposições legais que versam sobre o direito sucessório e observar os aspectos tributários pertinente à doação das quotas sociais.

Cumpre mencionar que a doação das quotas sociais da holding patrimonial familiar poderá configurar-se como adiantamento da parte legítima quando, feita da forma correta, corresponder à parcela resguardada aos herdeiros necessários, quais sejam os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, como disposto no art. 1.845 do Código Civil.

Portanto, as doações realizadas de ascendentes a seus descendentes, ou mesmo de um cônjuge a outro, importará em adiantamento da parte da herança a que fazem jus, conforme disposição do artigo 544 do Código Civil: “A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança”.

Por outro lado, a transferência pode se tratar de doação com dispensa de colação, ou seja, referente aos bens doados que integram a parte disponível do patrimônio do doador. Neste cenário, o doador poderá fazer uma doação a um dos herdeiros necessários sem que seja considerada adiantamento da herança, não afetando a igualdade na partilha dos bens entre todos os herdeiros, na forma do artigo 2.005 do Código Civil: “São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação”.

Ademais, a respectiva dispensa de colação deverá ser outorgada pelo doador em testamento ou no próprio título de liberalidade, conforme se verifica pelo artigo 2.006 do Código Civil: “São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação”.

Importa ressaltar que as doações devem atentar-se aos limites estabelecidos pela legislação, uma vez que será considerada nula, nos termos do artigo 549 do Código Civil, a doação quanto à parte que exceder àquela disponível no momento da liberalidade.

 No mais, a doação é fato gerador do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações), um tributo estadual que incide sobre a transmissão de bens e direitos, conforme disposto no artigo 155, I da Constituição Federal. Desta forma, por se tratar de competência estadual, sua alíquota dependerá da legislação do estado, não podendo ultrapassar o limite de 8%, conforme determinação do artigo 1º da Resolução do Senado Federal nº 9 de 1992: “Art. 1º A alíquota máxima do imposto de que trata a alínea a, inciso I, do art. 155 da Constituição Federal será de oito por cento, a partir de 1º de janeiro de 1992”.”

A título exemplificativo, no Estado de São Paulo a alíquota do ITCMD é de 4%, aplicada sobre o valor venal dos bens e direitos transmitidos, nos termos dos artigos 9º e 16 da Lei Estadual nº 10.705/2000:

Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).

Artigo 16 – O imposto é calculado aplicando-se a alíquota de 4% (quatro por cento) sobre o valor fixado para a base de cálculo.

Contudo, no caso da sucessão ocorrer por meio da holding, com a transmissão de quotas do capital social, a base de cálculo será o respectivo valor patrimonial, conforme inteligência do parágrafo 3º do artigo 14 da referida lei:

Artigo 14 – No caso de bem móvel ou direito não abrangido pelo disposto nos artigos 9°, 10 e 13, a base de cálculo é o valor corrente de mercado do bem, título, crédito ou direito, na data da transmissão ou do ato translativo.

§ 3º – Nos casos em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, admitir-se-á o respectivo valor patrimonial.

Neste sentido, tendo em vista que a transmissão das quotas sociais da holding ocorre pelo valor de aquisição declarado pelo proprietário, o qual é consideravelmente inferior ao valor de mercado, verifica-se uma redução na base de cálculo para apuração do montante a ser pago a título de ITCMD frente ao valor que seria pago por uma pessoa física, a qual enfrenta a base de cálculo sobre o valor de mercado dos bens transmitidos.

Diante todo o exposto, é nítido que a holding patrimonial familiar representa uma ferramenta de segurança e planejamento sucessório, capaz de proporcionar menores conflitos entre os integrantes da família e maior segurança aos seus bens e direitos. Isto ocorre tendo em vista que a centralização da administração do patrimônio na sociedade viabiliza uma transparência mais efetiva, assim como a facilitação do processo de sucessão e a redução de sua carga tributária.

Portanto, frente a relevância e atualidade do tema, é extremamente importante aprofundar o conhecimento acerca do planejamento patrimonial e sucessório, a fim de que a utilização da holding patrimonial familiar torne-se uma realidade no país, proporcionando segurança jurídica, organização patrimonial e cargas tributárias reduzidas, além, claro, de contribuir com a saúde emocional de toda a família.

5 CONCLUSÃO

Diversos são os fatores a serem considerados na elaboração de um planejamento patrimonial e sucessório, a fim de que seja bem estruturado e atenda às necessidades e objetivos de cada indivíduo e/ou família.

Com isso, analisando os fatores culturais e emocionais que permeiam o evento da morte de uma pessoa, bem como as obrigações legais que decorrem dele, conclui-se que a constituição de uma holding patrimonial familiar é um instrumento eficiente para proteção do patrimônio da família, tendo em vista que, além de centralizar sua administração, é cercada de vantagens tributárias, tornando-se uma opção valiosa àqueles que tem por objetivo a redução da carga tributária e a organização financeira de seus bens.

Ao unir as características da holding patrimonial, que tem seu foco na proteção do patrimônio e na estruturação dos bens para sucessão, às da holding familiar, a qual considera, individualmente, as questões e particularidades de uma família, constitui-se uma sociedade única que, conhecendo seus pontos fortes e fracos e definindo bem seus objetivos, é capaz de efetivamente proteger seu patrimônio.

Além disso, uma holding bem estruturada utiliza-se da elisão fiscal para reduzir significativamente a carga tributária sobre os atos da sociedade. Esta estratégia une a opção pelo regime tributário adequado, no caso o lucro presumido, à imunidade do ITBI na integralização dos bens à holding e à doação com reserva de usufruto vitalício, obtendo como resultado uma forma lícita e vantajosa de sucessão patrimonial que, inclusive, contribui para a redução dos custos fiscais.

Portanto, conclui-se que a constituição de uma holding patrimonial familiar representa uma estratégia eficiente dentro do planejamento patrimonial e sucessório, plenamente capaz de garantir a proteção e administração adequada do patrimônio familiar, além de proporcionar a redução da carga tributária por meio da elisão fiscal, realizada dentro dos limites impostos pela ética e pela legislação fiscal.

REFERÊNCIAS

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